Questionáveis descontos e prazos para pagar dívidas, o futebol espanhol se salvou da falência via recuperação judicial

Mais de 20 clubes da Espanha usaram o mecanismo para renegociar com credores e reduzir drasticamente seus endividamentos. Governo ignorou até a lei para aliviar alguns casos


Fonte: Blog do Rodrigo Capelo

Questionáveis descontos e prazos para pagar dívidas, o futebol espanhol se salvou da falência via recuperação judicial
Bandeira da Espanha — Foto: Editoria de Arte

A história de como a Espanha endividou seu futebol não é muito diferente da que você conhece. O dirigente arrisca ao contratar jogadores que não pode pagar, faz com que seu clube termine temporadas com prejuízos e proporciona dívidas. Elas acumulam até se tornar impagáveis. A história que você provavelmente ainda não conhece é a de como o país eduziu drasticamente essas dívidas.



O blog passou uma semana em Valência e Madrid a convite da LaLiga. Hoje, vamos entender como o mecanismo da recuperação judicial beneficiou o futebol espanhol. Ouça os dois episódios especiais do podcast Dinheiro em Jogo para se aprofundar no conteúdo.





O estado falimentar nos anos 2000

Mesmo tendo sido obrigados pelo governo espanhol a migrar para a estrutura empresarial – a Sociedade Anônima Desportiva (SAD), criada especificamente para clubes de futebol –, muitas agremiações estavam em apuros do ponto de vista financeiro nos anos 2000.

Pesquisa dos economistas Manuel Rico Llopis e Francisco Puig Blanco mostra que, em relação a empresas convencionais em estado falimentar, clubes de futebol insolventes tinham no fim daquela década indicadores financeiros muito piores, como dívidas, custos e prejuízos.

Em 2004, então, foi anunciada a primeira recuperação judicial que se tem notícia no futebol espanhol – pelo menos entre clubes com certa relevância nacional. O Las Palmas estava estrangulado por dívidas e encarou o procedimento para se livrar de parte delas e renegociar o restante. Foi seguido prontamente por Sporting de Gijón e Málaga. No início dos anos 2010, dezenas de outros clubes fariam o mesmo.

O que é recuperação judicial?

Basicamente, a empresa (devedora) assume que não tem condições de pagar todos seus credores. Então faz a eles, de maneira coletiva e unificada, uma proposta para refinanciar as dívidas. Geralmente com algum desconto e um prazo alongado. Tudo com a mediação do poder público. Em espanhol, chama-se concurso de acreedores.

Não precisamos entrar detalhadamente nos procedimentos da recuperação judicial espanhola. Se você quiser entendê-la segundo a legislação brasileira, temos um podcast e um texto publicados há pouco para esclarecer a mecânica. No entanto, precisamos passar por algumas questões básicas para saber como o futebol foi beneficiado.

A legislação da Espanha proíbe que descontos dados por credores sejam superiores a 50% do montante devido. Ou seja, se um clube deve 100 milhões de euros, ele pode convencer bancos, ex-jogadores e governo a perdoar até 50 milhões de euros, não mais do que a metade.

A Ley Concursal, como é chamada por lá, também estabelece que o prazo para o pagamento das dívidas não pode ser superior a cinco anos, em caso de acordo entre devedor e credores. Isso para evitar que os credores saiam com condições muito ruins dessa renegociação.

E há uma diferença importante em relação ao Brasil. Enquanto por aqui dívidas com o governo não podem fazer parte de recuperações judiciais, sendo necessária uma renegociação à parte no caso de um Refis, na Espanha dívidas públicas foram incluídas nesses concursos.

As recuperações judiciais no futebol

O blog reuniu os resultados de 22 recuperações judiciais executadas no futebol com base em notícias da imprensa local. Algumas puderam ser checadas em balanços e outras documentações, mas não todas.




A primeira peculiaridade é que as limitações impostas pela legislação espanhola foram extrapoladas várias vezes. Juízes responsáveis pelas recuperações judiciais entenderam, em alguns casos, que a situação era excepcional e que a sobrevivência do clube de futebol era importante para a sociedade. Assim houve quem renegociasse com desconto acima de 50% da dívida total e prazo superior a cinco anos.

Talvez como caso mais grosseiro, o Deportivo La Coruña, que já teve ídolos brasileiros como Mauro Silva e Djalminha, conseguiu esticar os pagamentos em 34 anos. Sendo que haveria dois anos de carência antes que as primeiras parcelas precisassem ser pagas.

O maior desconto foi concedido para o Celta de Vigo. Ainda que o prazo tenha sido mantido dentro do limite de cinco anos, o perdão sobre o total devido foi de 85%. Pequenos credores chegaram a reclamar publicamente das condições oferecidas, mas eles foram atropelados. A Justiça abriu a exceção com a justificativa de que o Celta era um motor para a economia local da cidade de Vigo, e a maioria dos credores topou.

A segunda peculiaridade é que esse tipo de exceção só aconteceu com o futebol. Os economistas Manuel Rico Llopis e Francisco Puig Blanco mostram na pesquisa deles que, entre empresas comuns, 90% das recuperações terminam com "fracasso" – isto é, credores não aceitam as propostas feitas pelos devedores, e esses então têm todos seus bens liquidados numa falência. As empresas deixam de existir.

Por que diabos a recuperação judicial funciona tão bem no futebol, com "sucesso" (leia-se: acordo entre devedor e credores) em todos os casos?

Uma ajudinha do governo

Manuel Rico Llopis e Francisco Puig Blanco respondem na pesquisa. Acontece que a "taxa de sucesso" de uma recuperação judicial está diretamente relacionada ao tipo de credor da empresa em questão.



Entre empresas comuns, geralmente os maiores credores são bancos. As instituições financeiras emprestaram dinheiro no passado para essas firmas. Numa recuperação judicial, elas preferem liquidar logo e receber tudo o que for possível, a partir dos bens leiloados, do que esperar anos.

No caso dos clubes de futebol, dívidas fiscais (com o poder público) e trabalhistas (com jogadores, técnicos e funcionários de maneira geral) são mais volumosas. Quando falamos em poder público, entenda desde a Fazenda e a Seguridade Social, nacionais, até províncias e municípios.

O que aconteceu em muitos casos? O governo aceitou descontos e prazos para pagamento que instituições financeiras não costumam topar. Esta é a principal razão por trás de tantas recuperações judiciais bem-sucedidas no futebol e com condições maiores até do que as legais.

A contrapartida do governo
É verdade que o governo espanhol deu ao futebol benefícios que outros setores não têm. A complacência com a má administração de cartolas é questionável. No entanto, é também verdade que o governo espanhol tem uma postura muito mais incisiva do que a do brasileiro.

Em 1990, clubes que estavam em condições financeiras ruins foram obrigados a migrar para uma estrutura societária empresarial. Não que a imposição tenha surtido efeito, porque a mera conversão de associação em empresa não garante boa gestão, mas o episódio mostra um pouco da conduta do poder público da Espanha perante o futebol.



Em 2015, desta vez com sucesso, a reformulação do mercado do futebol aconteceu por intervenção estatal. Direitos de transmissão passaram a ser negociados de maneira coletiva, o dinheiro passou a ser distribuído entre os clubes de maneira mais equilibrada, e o controle orçamentário da LaLiga foi o que de fato tornou o mercado responsável.

Analisadas isoladamente, as recuperações judiciais do futebol espanhol são questionáveis por vários motivos. Por que beneficiar clubes em detrimento de empresas comuns? Por que facilitar a vida de dirigentes irresponsáveis em detrimento dos que pagaram contas e impostos?

Quando pensadas dentro de uma reestruturação, desde que acompanhadas de mecanismos que estimulem boa administração, governança e transparência, pode ser que as recuperações judiciais façam sentido. Na Espanha, o resultado parece ter sido positivo.

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