2ª área mais atacada no futebol, cabeça do atleta ainda é subestimada no Brasil


Fonte: ESPN

2ª área mais atacada no futebol, cabeça do atleta ainda é subestimada no Brasil
Alecsandro sofreu lesão feia em Flamengo x América-RN, quarta-feira passada | GILVAN DE SOUZA / FLAMENGO

Em setembro deste ano, pesquisadores da USP descobriram que os sinais de demência apresentados durante os últimos anos de vida do ex-zagueiro Bellini, capitão da seleção brasileira de futebol no primeiro título mundial do país, em 1958, na Suécia, não eram, como se imaginava, sintomas do Mal de Alzheimer. Tratava-se de um caso de encefalopatia traumática crônica - ECT -, doença antes chamada de Mal do Pugilista, provocada por reincidentes pancadas na cabeça.

Alguns especialistas em exercício na área esportiva procuram não causar alarde em torno do ‘Episódio Bellini' e alegam que o risco não é tão sério, que a bola de futebol hoje pesa menos do que na época do capitão, por exemplo.

"Se fosse assim, no Brasil, em que se pratica futebol de forma tão disseminada, a gente deveria ter um número muito mais frequente de histórias como essa do que em outros países. É até perigoso afirmar, só vai alarmar os atletas e qualquer alteração de comportamento vão atribuir a isso", diz o Dr. Luiz Sallim Emed, do Atlético-PR.

"Comparado com outros esportes, a concussão cerebral é muito infrequente e pontual, não é a rotina do atleta de futebol. Você pode ter lesões traumáticas de tornozelo, joelho, mais ortopédicas do que neurológicas", afirma o Dr. Wilson Vasconcelos, do Vitória.

"É um número pequeno e irrelevante de jogadores que têm esse problema", acredita o Dr.Joaquim Grava, chefe do departamento médico do Corinthians. "Esse é um risco que tem que se correr, se não vai acabar com o futebol. O risco existe e tem que se tomar cuidado durante a atividade, se não você acaba com o vôlei porque destrói o joelho, com o basquete porque acaba com o punho, é a mesma coisa de 'não sai na rua se não você vai ser atropelado'. Só tem um jeito de acabar com isso e seria até cômico, jogar de capacete."

Cech usa capacete desde lesão séria em 2006 | GETTY

Outros médicos admitem que o jogo de agora é bem mais duro fisicamente e que o risco de lesões cerebrais no futebol é um assunto ainda nebuloso.

Para o Dr.Clóvis Munhoz, especialista do Vasco, "a preparação física foi elevada a níveis altíssimos no futebol, e o tamanho dos campos diminuiu. Antigamente, você tinha campos do tamanho do Maracanã, isso fazia com o que o choque frequente diminuísse."

O Dr. Paulo Rabaldo, do Grêmio, acredita que seja mais comum encontrar atletas sequelados no boxe ou no automobilismo, aonde "a inercia é bem maior e o trauma mais acentuado sobre o cérebro", mas diz: "Traumas e sequelas de lesões cerebrais no futebol são ainda questões que a gente não tem conhecimento cientifico apurado."

"É uma coisa que foi muito pouca estudada. Não se pode concluir nada porque não temos nenhum estudo elucidativo, não tem nada comprovado. Mas deveriam, sim, fazer um estudo sobre que tipos de danos pode se causar e se tiver risco, o que pode se fazer para prevenir", opina o Dr.Márcio Tamure, que trabalha com lutadores de MMA e também no Flamengo.

Álvaro Pereira 'apagou' após levar joelhada na Copa | GETTY

A declaração da IV Conferência Internacional do Esporte, organizada em novembro de 2012, na Suíça, concordou que a ECT, mal diagnosticado em Bellini, apresenta um risco de incidência desconhecida em atletas.

O que se pode afirmar atualmente é que as concussões cerebrais são, de fato, um dos imprevistos mais recorrentes no futebol brasileiro.

Em 2012, clubes da Série A e da Série B do Campeonato Brasileiro foram convocados pela CBF a preencher relatórios durante a competição informando os tipos de problemas físicos registrados a cada partida. O resultado mostrou que a cabeça é a segunda região do corpo que mais sofre com pancadas, correspondendo a 18% das lesões, contra 28% de lesões na coxa, 13% no tornozelo, 11% na perna e 8% no joelho.

Os cuidados a serem tomados em casos de choques durante jogos são conhecidos pelos responsáveis dos principais clubes brasileiros: retirada do jogador de campo em caso de tontura, perda de consciência ou confusão mental, seguida de avaliação médica nos dias seguintes. A já citada IV Conferência Internacional do Esporte afirma que de 80 a 90% das concussões são curadas entre sete a dez dias. O risco de danos sérios aumenta seriamente logo após um trauma inicial.

Os times brasileiros, porém, ainda agem de formas distintas.

"Nas 24h depois de uma pancada na cabeça o jogador tem que ser avaliado e isso sempre aconteceu no Corinthians, foi assim recentemente com nosso zagueiro Felipe", relata Joaquim Grava.

"Esse ano tivemos um atleta, que foi o Rogério, que teve uma perda de consciência e respeitou-se um período de observação de 48h a 72h. A partir dai, a gente reintroduziu as atividades primeiro sem contato e depois liberamos para atividades com contato", conta Rodrigo Kaz, chef do departamento médico do Botafogo.

O uso de capacetes, já introduzido por alguns atletas de elite, como o goleiro tcheco Petr Cech, do Chelsea e criticado por Grava, ainda não é cogitado no futebol, segundo a IV Conferência Internacional do Esporte, somente porque não há garantia de que os equipamentos atuais sejam totalmente seguros contra concussões.

Conscientizar o jogador do risco que ele mesmo corre é outra medida preventiva que costuma ser tomado pelos clubes. "Já vi colega que disse que ia tirar o atleta, o atleta sinalizou pro juiz e voltou correndo pro campo", relata o Dr. Walace Espada, do Cruzeiro. "Já houve caso de o atleta insistir no jogo, passar mal no fim e ter lesões graves no cérebro", acrescenta o Dr. Sérgio Paruquer, do Figueirense.

O incidente do lateral esquerdo uruguaio Álvaro Pereira, do São Paulo, que continuou no confronto contra a Inglaterra, na última Copa do Mundo, a contragosto dos médicos após levar joelhada na cabeçada, é citado com frequência.

A própria regra, para alguns, impede que se aja com cautela.

O Dr. Rubens Sampaio, do Palmeiras, sugere que a Fifa adote a substituição excepcional para facilitar o trabalho dos especialistas da saúde. "Muitas vezes você chega pra atender o atleta, ele está razoavelmente recuperado e você precisaria fazer algumas perguntas, alguns testes. Hoje, a regra atrapalha, ficar com 11 contra 10 faz bastante diferença no jogo. A Fifa poderia pensar numa substituição temporária para que você consiga fazer uma avalição melhor sem que tenha prejuízo em campo."

"Não tem muito o que fazer hoje, tem como tirar o jogador, mas como a maioria não entende o que está acontecendo, a repercussão é muito grande. Se a gente tira um atleta que é exponencial do time, aquele cara que vai definir, é complicado", reforça o Dr. Steinberg Vasconcelos, diretor médico do Sport.

Segundo o Dr. Milton Nagai, do Coritiba, foi levado à Fifa recentemente um pedido para que o árbitro tenha a liberdade de interromper as partidas por três minutos para que se faça a avaliação adequada.

Jorge Pagura, coordenador do comitê de assuntos médicos da Federação Paulista de Futebol - FPF - e presidente da comissão nacional de médicos da CBF, não acredita que a substituição temporária possa ser adotada a curto prazo - "depende de um comitê técnico da Fifa" -, mas revela que a parada estratégica citada por Nagai poderá ser introduzida no próximo Campeonato Paulista.

Além disso, um novo estudo sobre lesões foi preparado pela FPF por meio de tablets distribuídos a dez clubes paulistas nas principais divisões do futebol brasileiro, mas a entidade tem tido dificuldades para receber informações. Um destes clubes sequer retirou o tablet na federação e os demais não têm enviado os dados.




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