Aranha reclama de ofensas de torcedores na partida contra o Grêmio pela Copa do Brasil (Foto: Diego Guichard)
Os gritos de “macaco” direcionados por alguns torcedores do Grêmio ao goleiro Aranha, do Santos, na noite do último dia 28 de agosto, fizeram da Arena gaúcha um enorme espelho. Ali, refletiram-se atitudes de uma sociedade que ainda não conseguiu superar a barreira do racismo. Explícito naquelas arquibancadas, tal comportamento, porém, não é exclusivo dos estádios de futebol no país.
A análise é de estudiosos ouvidos pelo GloboEsporte.com após o episódio que marcou a passagem do time da Vila Belmiro por Porto Alegre há três semanas, quando as duas equipes se enfrentaram pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Nesta quinta, às 20h30, Aranha volta ao local pela primeira vez após o episódio para confronto válido pela 22ª rodada do Brasileiro.
- O racismo presente no esporte é o mesmo presente na sociedade brasileira, desde sempre. O Brasil traz uma herança escravista muito forte. O que tem ocorrido mais recentemente é que esses atos têm sido levados a público com mais frequência - afirma o pesquisador Manuel Alves Filho, do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
– O futebol não é, como alguns acreditam, um domínio no qual exista democracia racial. Isso é um mito. Prova disso é que os negros estão sub-representados nas esferas de poder do esporte. São pouquíssimos os afrodescendentes que ocupam funções de dirigentes ou técnicos. Aos negros estão reservadas funções dentro de campo, onde as suas alegadas habilidades físicas são aceitas e até elogiadas, mas com uma carga ideológica clara. Ou seja, a mensagem subliminar é a seguinte: lugar de negro é no campo de jogo e somente nele – complementa.
Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, uma ONG (Organização Não Governamental) que busca financiamento para ações de equidade racial, Hélio Santos crê que as cenas vistas na Arena do Grêmio – assim como outras, como a que envolveu o também santista Arouca ou o ex-árbitro Márcio Chagas da Silva – derrubam a máscara de uma sociedade que sempre se defendeu como igualitária.
– O Brasil, aos poucos, perde a vergonha de ser racista – diz ele.
A reação de Aranha
Logo que ouviu o coro que o chamava de “macaco”, o goleiro do Santos procurou o juiz da partida, Wilton Pereira Sampaio, para pedir providências – tomadas por ele apenas no dia seguinte, ao acrescentar um adendo na súmula que, em sua primeira publicação, ignorava os incidentes. Aranha ainda insistiu para que os cinegrafistas próximos a seu gol filmassem os torcedores que ele acusava.
Torcedora flagrada ao chamar Aranha de "macaco" na Arena do Grêmio (Foto: Reprodução)
Umas das imagens, produzida pela ESPN Brasil, mostrava claramente uma garota xingando o atleta. Em poucos minutos, os perfis de Patrícia Moreira nas redes sociais já estavam entupidos de comentários que condenavam sua ação – isso bem antes de o seu nome ser revelado pelas autoridades gaúchas. A gremista, ainda que não tenha sido a única a soltar as injúrias raciais, acabou se tornando o rosto do episódio.
– Quando o racismo é ostensivo, a reação deve ser imediata, firme e indiscreta. O Aranha agiu corretamente. Foi o que aconteceu de melhor neste caso lamentável – diz Hélio Santos.
Após a enorme repercussão, Patrícia perdeu o emprego, precisou deixar sua casa – imóvel que foi parcialmente incendiado depois – e, em entrevista coletiva, pediu perdão ao goleiro. O militante se diz preocupado com a forma com que a situação tem sido abordada.
– Foi algo grave e lamento ver a ré se tornar uma vítima. Não é possível que isso possa acontecer, será perverso. Perderemos a chance de reduzir esses atos. É necessário que ela seja condenada – aponta Santos.
Para Alves Filho, assim como os casos comuns de violência, o preconceito também se aproveita do sentimento de que ações tomadas dentro de um estádio sempre acabam impunes.
– No meio da massa, o torcedor pensa estar invisível, o que lhe serve de estímulo às manifestações violentas. Apesar das várias denúncias sobre atos racistas que se tornam públicas, não se tem conhecimento de que alguém tenha de fato sido julgado e punido por isso – afirma o pesquisador.
Comportamento ambíguo
Diretor-curador do Museu Afro Brasil, em São Paulo, Emanoel Araújo observa que episódios de injúria racial se tornaram mais comuns em estádios brasileiros após casos similares ganharem destaque na Europa.
– O Brasil é um país de imitadores. Viram o que aconteceu com o Daniel Alves na Espanha (o lateral comeu uma banana atirada em sua direção), o episódio repercutiu na mídia. São repetidores que reproduzem o que viram lá fora – diz Araújo.
– Eu nem sei se são racistas aquelas pessoas (torcedores do Grêmio). São fanáticos de futebol, e vale tudo nessa situação. Este é um país ambíguo, que diz que não é racista, mas quando um negro entra em uma loja de grife é uma assombração. O que se passa na cabeça daqueles cretinos? Acho que foi no calor da hora.
Hélio dos Santos também vê comportamentos conflitantes:
– Já fomos campeões do mundo cinco vezes, com uma maioria de negros. É algo esquizofrênico. A última Seleção (Copa de 2014) tinha nove atletas afrodescendentes entre os titulares. Essa moça (Patrícia) torceu para os macacos. Você vibra com um negro que marca um gol ao mesmo tempo em que ofende outro por jogar no clube adversário – critica ele.
O presidente do conselho do Fundo Baobá também lamenta as declarações dadas por Pelé, que em um evento de um patrocinador pessoal disse que Aranha "se precipitou em querer brigar com a torcida".
- Nos anos 1970, quando o Pelé já era uma celebridade, um negro não podia entrar em clubes do interior de São Paulo. Se ele tivesse reagido como o Aranha fez, estaríamos em outra situação hoje. Ele teve uma postura anacrônica, que não tem a ver com o Brasil do século 21.
Punições e educação
Por conta da ação de seus torcedores, o Grêmio foi denunciado no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) e, em decisão unânime, excluído da Copa do Brasil – o clube recorreu e aguarda novo julgamento do Tribunal Pleno.
Para os estudiosos ouvidos pela reportagem, a punição foi justa, mas só ela não basta para evitar que o episódio se repita: é preciso investir em educação.
– O clube tem obrigação de desenvolver projetos de combate ao racismo e colaborar para a identificação de fãs ou associados. Todavia, para além das punições, penso que é necessário uma ação coordenada e colaborativa. Esse tipo de esforço precisa envolver clubes, jogadores, árbitros, torcidas organizadas e mídia. Não é aceitável que no século 21 ainda haja pessoas que avaliem seus pares por causa da cor da pele ou fenótipos – defende Alves Filho, da Unicamp.
– É preciso que exista um componente pedagógico. Uma lei determina que em todos os níveis escolares se estude a diversidade brasileira. Ninguém nasce racista. Uma criança aprende vendo as atitudes dos pais, dos avós. Uma mudança só se dá na educação – concorda Santos.
Gremistas se manifestam contra as injúrias raciais: clube foi excluído da Copa do Brasil (Foto: Futura Press)
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A análise é de estudiosos ouvidos pelo GloboEsporte.com após o episódio que marcou a passagem do time da Vila Belmiro por Porto Alegre há três semanas, quando as duas equipes se enfrentaram pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Nesta quinta, às 20h30, Aranha volta ao local pela primeira vez após o episódio para confronto válido pela 22ª rodada do Brasileiro.
- O racismo presente no esporte é o mesmo presente na sociedade brasileira, desde sempre. O Brasil traz uma herança escravista muito forte. O que tem ocorrido mais recentemente é que esses atos têm sido levados a público com mais frequência - afirma o pesquisador Manuel Alves Filho, do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
– O futebol não é, como alguns acreditam, um domínio no qual exista democracia racial. Isso é um mito. Prova disso é que os negros estão sub-representados nas esferas de poder do esporte. São pouquíssimos os afrodescendentes que ocupam funções de dirigentes ou técnicos. Aos negros estão reservadas funções dentro de campo, onde as suas alegadas habilidades físicas são aceitas e até elogiadas, mas com uma carga ideológica clara. Ou seja, a mensagem subliminar é a seguinte: lugar de negro é no campo de jogo e somente nele – complementa.
Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, uma ONG (Organização Não Governamental) que busca financiamento para ações de equidade racial, Hélio Santos crê que as cenas vistas na Arena do Grêmio – assim como outras, como a que envolveu o também santista Arouca ou o ex-árbitro Márcio Chagas da Silva – derrubam a máscara de uma sociedade que sempre se defendeu como igualitária.
– O Brasil, aos poucos, perde a vergonha de ser racista – diz ele.
A reação de Aranha
Logo que ouviu o coro que o chamava de “macaco”, o goleiro do Santos procurou o juiz da partida, Wilton Pereira Sampaio, para pedir providências – tomadas por ele apenas no dia seguinte, ao acrescentar um adendo na súmula que, em sua primeira publicação, ignorava os incidentes. Aranha ainda insistiu para que os cinegrafistas próximos a seu gol filmassem os torcedores que ele acusava.
Torcedora flagrada ao chamar Aranha de "macaco" na Arena do Grêmio (Foto: Reprodução)
Umas das imagens, produzida pela ESPN Brasil, mostrava claramente uma garota xingando o atleta. Em poucos minutos, os perfis de Patrícia Moreira nas redes sociais já estavam entupidos de comentários que condenavam sua ação – isso bem antes de o seu nome ser revelado pelas autoridades gaúchas. A gremista, ainda que não tenha sido a única a soltar as injúrias raciais, acabou se tornando o rosto do episódio.
– Quando o racismo é ostensivo, a reação deve ser imediata, firme e indiscreta. O Aranha agiu corretamente. Foi o que aconteceu de melhor neste caso lamentável – diz Hélio Santos.
Após a enorme repercussão, Patrícia perdeu o emprego, precisou deixar sua casa – imóvel que foi parcialmente incendiado depois – e, em entrevista coletiva, pediu perdão ao goleiro. O militante se diz preocupado com a forma com que a situação tem sido abordada.
– Foi algo grave e lamento ver a ré se tornar uma vítima. Não é possível que isso possa acontecer, será perverso. Perderemos a chance de reduzir esses atos. É necessário que ela seja condenada – aponta Santos.
Para Alves Filho, assim como os casos comuns de violência, o preconceito também se aproveita do sentimento de que ações tomadas dentro de um estádio sempre acabam impunes.
– No meio da massa, o torcedor pensa estar invisível, o que lhe serve de estímulo às manifestações violentas. Apesar das várias denúncias sobre atos racistas que se tornam públicas, não se tem conhecimento de que alguém tenha de fato sido julgado e punido por isso – afirma o pesquisador.
Comportamento ambíguo
Diretor-curador do Museu Afro Brasil, em São Paulo, Emanoel Araújo observa que episódios de injúria racial se tornaram mais comuns em estádios brasileiros após casos similares ganharem destaque na Europa.
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– Eu nem sei se são racistas aquelas pessoas (torcedores do Grêmio). São fanáticos de futebol, e vale tudo nessa situação. Este é um país ambíguo, que diz que não é racista, mas quando um negro entra em uma loja de grife é uma assombração. O que se passa na cabeça daqueles cretinos? Acho que foi no calor da hora.
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– O clube tem obrigação de desenvolver projetos de combate ao racismo e colaborar para a identificação de fãs ou associados. Todavia, para além das punições, penso que é necessário uma ação coordenada e colaborativa. Esse tipo de esforço precisa envolver clubes, jogadores, árbitros, torcidas organizadas e mídia. Não é aceitável que no século 21 ainda haja pessoas que avaliem seus pares por causa da cor da pele ou fenótipos – defende Alves Filho, da Unicamp.
– É preciso que exista um componente pedagógico. Uma lei determina que em todos os níveis escolares se estude a diversidade brasileira. Ninguém nasce racista. Uma criança aprende vendo as atitudes dos pais, dos avós. Uma mudança só se dá na educação – concorda Santos.
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