Roberto Vinícius/Agência Eleven/Gazeta Press
Os xingamentos de 'Macaco' ouvidos pelo goleiro Aranha, do Santos, na partida contra o Grêmio pelas oitavas de final da Copa do Brasil em Porto Alegre reacenderam a polêmica sobre o racismo no futebol brasileiro. Foi o quarto caso de grande repercussão no ano nos gramados do país ? o primeiro foi com o árbitro Marcio Chagas, em Bento Gonçalves (RS), quando torcedores atacaram o carro dele e deixaram bananas no retrovisor; o segundo foi com o zagueiro Paulão, do Internacional, que ouviu insultos racistas de um torcedor gremista na Arena Grêmio em Porto Alegre; e o terceiro aconteceu com o também santista Arouca, quando ele dava entrevista para os jornalistas na saída de campo de um jogo em Mogi Mirim (SP).
Antes desses episódios, o Brasil só estava acostumado a lidar com casos de racismo no futebol fora de casa, com jogadores brasileiros atuando na Europa ou em campeonatos sul-americanos.
Mas desde que o problema ficou evidente também nos gramados nacionais, passou-se a discutir punições para combatê-lo. Perda de pontos ou de mando de campos para o clube responsável, além de punição para os próprios torcedores que cometeram o ato racista são algumas das 'penas' que têm entrado em pauta no debate sobre o assunto, mas poucas delas foram vistas na prática.
Enquanto isso, na Itália, país onde os casos de discriminação racial são mais frequentes, as punições contra atos desse tipo foram abrandadas pelo novo presidente da Federação Italiana de Futebol (FIGC), Carlo Tavecchio. De acordo com as novas determinações, os casos de insultos racistas nos estádios - que antes eram punidos drasticamente com perda de mando de campo ou jogos com portões fechados ? agora terão penas aplicadas de maneira mais "gradual e sem implicar automaticamente no fechamento do estádio ou em sanções contra a torcida do time envolvido".
A mudança veio logo na primeira reunião de conselho sob o comando do novo presidente. Com ele, a Federação decidiu atenuar substancialmente as penas para times cujos torcedores ou jogadores que cometem insultos a outras pessoas por causa de sua origem ou raça. A novidade gerou polêmica entre os italianos.
"Será que estamos de volta ao tempo em que nos estádios qualquer bestialidade era permitida em nome e por conta da torcida?", perguntou Enzo Bucchioni, respeitado comentarista esportivo do jornal Il Giorno.
"O dever da federação é educar e trazer a civilidade de volta aos estádios, com prevenção e repressão", lembrou Bucchioni. "Regras inexpressivas só servem a alguns presidentes de clubes da Série A, e não ao futebol como um todo". Presidente polêmico Antes de se tornar presidente da Federação Italiana, Carlo Tavecchio fez uma declaração polêmica que foi considerada ofensiva por muitos, ao ser indagado sobre o grande número de jogadores estrangeiros no país. Tavecchio, de 71 anos, comentou que na Inglaterra os jogadores são escolhidos com base em seu profissionalismo. Já na Itália "um sujeito qualquer que até pouco comia bananas" pode vir a ser profissional. O cartola foi duramente criticado pela imprensa e também por dirigentes de clubes de futebol.
A Uefa (Confederação Europeia de Futebol) chegou a abrir um inquérito disciplinar contra o italiano. Ele pediu desculpas, negou o tom racista da declaração e disse que iria explicar à entidade suas reais intenções. Tavecchio acabou sendo eleito presidente da Figc, em meados de agosto, com cerca de dois terços dos votos, e prometeu ser "o presidente de todos". O inquérito o eximiu de qualquer culpa. No entanto, a polêmica que ele causou continua ocupando a imprensa e a opinião pública.
Resquício fascista
Analistas temem que a ausência de penas pesadas acabe incentivando atos racistas nos estádios, que ocorrem frequentemente Itália afora. Uma das vítimas mais famosas desses ataques na última temporada foi o jogador Mario Balotelli, da seleção italiana de futebol, que acaba de ser vendido ao Liverpool da Grã-Bretanha. Depois do fracasso da "azzurra" na última copa, Balotelli desabafou: "Eu não escolhi ser italiano, não me culpem de tudo. Os africanos nunca abandonariam um irmão".
Para o sociólogo italiano Mario Valleri, o comportamento de Balotelli é típico para jogadores negros que jogam na Itália:
"Eles têm que dar 200% de si para serem aceitos, e são duramente criticados se fazem um erro". Valleri, que é diretor do Observatório Italiano do Racismo e Antirracismo no Futebol, diz que o futebol italiano não conseguiu superar o racismo. Ele viria da era fascista, quando o esporte era utilizado para exaltar a superioridade do "italiano puro".
O sociólogo aponta para o fato de que somente três jogadores de cor nascidos na Itália jogaram na Série A na última temporada.
"Os outros acabam deixando os campos ou mudando o esporte".
Punições no Brasil Com os recentes casos no futebol brasileiro, aumentou a pressão para que houvesse punições aos responsáveis pelos atos racistas nos estádios. No entanto, até aqui, nos quatro episódios de racismo mencionados acima, nenhum dele resultou em punições para os autores dos insultos.
Algumas punições vieram, no entanto, no âmbito esportivo. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva diz que atitudes discriminatórias por raça ou cor podem acarretar punição pesada às entidades desportivas às quais estão vinculados os autores dos xingamentos. A pena pode ir de multa e perda de pontos a perda de mandos de campo ou exclusão da competição. No caso do árbitro Márcio Chagas, houve punição ao Esportivo (RS), que perdeu inicialmente nove pontos na tabela do Campeonato Gaúcho, mas depois conseguiu reduzir a pena para a perda de apenas três pontos. No âmbito judicial, o inquérito policial aberto para investigar o caso acabou sem indiciamentos. O episódio envolvendo o zagueiro do Internacional, Paulão, também acabou apenas em punição esportiva.
O Grêmio foi multado em R$ 80 mil pelo Tribunal de Justiça Desportiva pelo insulto de seu torcedor. Já no caso do jogador do Santos, Arouca, a punição foi também esportiva, com a interdição do estádio do Mogi Mirim e a aplicação de uma multa de R$ 50 mil.
O acontecimento mais recente, envolvendo o goleiro santista Aranha, teve até mesmo um boletim de ocorrência registrado por ele na polícia gaúcha. Uma das torcedoras do Grêmio responsáveis pelo insulto foi identificada pelas câmeras de TV e chegou a ser afastada do trabalho em Porto Alegre.
O próprio Grêmio identificou outros dez torcedores que participaram do ato racista ? dois eram sócios do clube e foram expulsos, e os outros estão proibidos de entrar na Arena Grêmio.
Enquanto isso, o clube gaúcho aguarda para saber se será punido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O jogo de volta das oitavas de final da Copa do Brasil contra o Santos, antes marcado para a próxima quarta-feira, foi adiado até que o caso seja julgado.
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Antes desses episódios, o Brasil só estava acostumado a lidar com casos de racismo no futebol fora de casa, com jogadores brasileiros atuando na Europa ou em campeonatos sul-americanos.
Mas desde que o problema ficou evidente também nos gramados nacionais, passou-se a discutir punições para combatê-lo. Perda de pontos ou de mando de campos para o clube responsável, além de punição para os próprios torcedores que cometeram o ato racista são algumas das 'penas' que têm entrado em pauta no debate sobre o assunto, mas poucas delas foram vistas na prática.
Enquanto isso, na Itália, país onde os casos de discriminação racial são mais frequentes, as punições contra atos desse tipo foram abrandadas pelo novo presidente da Federação Italiana de Futebol (FIGC), Carlo Tavecchio. De acordo com as novas determinações, os casos de insultos racistas nos estádios - que antes eram punidos drasticamente com perda de mando de campo ou jogos com portões fechados ? agora terão penas aplicadas de maneira mais "gradual e sem implicar automaticamente no fechamento do estádio ou em sanções contra a torcida do time envolvido".
A mudança veio logo na primeira reunião de conselho sob o comando do novo presidente. Com ele, a Federação decidiu atenuar substancialmente as penas para times cujos torcedores ou jogadores que cometem insultos a outras pessoas por causa de sua origem ou raça. A novidade gerou polêmica entre os italianos.
"Será que estamos de volta ao tempo em que nos estádios qualquer bestialidade era permitida em nome e por conta da torcida?", perguntou Enzo Bucchioni, respeitado comentarista esportivo do jornal Il Giorno.
"O dever da federação é educar e trazer a civilidade de volta aos estádios, com prevenção e repressão", lembrou Bucchioni. "Regras inexpressivas só servem a alguns presidentes de clubes da Série A, e não ao futebol como um todo". Presidente polêmico Antes de se tornar presidente da Federação Italiana, Carlo Tavecchio fez uma declaração polêmica que foi considerada ofensiva por muitos, ao ser indagado sobre o grande número de jogadores estrangeiros no país. Tavecchio, de 71 anos, comentou que na Inglaterra os jogadores são escolhidos com base em seu profissionalismo. Já na Itália "um sujeito qualquer que até pouco comia bananas" pode vir a ser profissional. O cartola foi duramente criticado pela imprensa e também por dirigentes de clubes de futebol.
A Uefa (Confederação Europeia de Futebol) chegou a abrir um inquérito disciplinar contra o italiano. Ele pediu desculpas, negou o tom racista da declaração e disse que iria explicar à entidade suas reais intenções. Tavecchio acabou sendo eleito presidente da Figc, em meados de agosto, com cerca de dois terços dos votos, e prometeu ser "o presidente de todos". O inquérito o eximiu de qualquer culpa. No entanto, a polêmica que ele causou continua ocupando a imprensa e a opinião pública.
Resquício fascista
Analistas temem que a ausência de penas pesadas acabe incentivando atos racistas nos estádios, que ocorrem frequentemente Itália afora. Uma das vítimas mais famosas desses ataques na última temporada foi o jogador Mario Balotelli, da seleção italiana de futebol, que acaba de ser vendido ao Liverpool da Grã-Bretanha. Depois do fracasso da "azzurra" na última copa, Balotelli desabafou: "Eu não escolhi ser italiano, não me culpem de tudo. Os africanos nunca abandonariam um irmão".
Para o sociólogo italiano Mario Valleri, o comportamento de Balotelli é típico para jogadores negros que jogam na Itália:
"Eles têm que dar 200% de si para serem aceitos, e são duramente criticados se fazem um erro". Valleri, que é diretor do Observatório Italiano do Racismo e Antirracismo no Futebol, diz que o futebol italiano não conseguiu superar o racismo. Ele viria da era fascista, quando o esporte era utilizado para exaltar a superioridade do "italiano puro".
O sociólogo aponta para o fato de que somente três jogadores de cor nascidos na Itália jogaram na Série A na última temporada.
"Os outros acabam deixando os campos ou mudando o esporte".
Punições no Brasil Com os recentes casos no futebol brasileiro, aumentou a pressão para que houvesse punições aos responsáveis pelos atos racistas nos estádios. No entanto, até aqui, nos quatro episódios de racismo mencionados acima, nenhum dele resultou em punições para os autores dos insultos.
Algumas punições vieram, no entanto, no âmbito esportivo. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva diz que atitudes discriminatórias por raça ou cor podem acarretar punição pesada às entidades desportivas às quais estão vinculados os autores dos xingamentos. A pena pode ir de multa e perda de pontos a perda de mandos de campo ou exclusão da competição. No caso do árbitro Márcio Chagas, houve punição ao Esportivo (RS), que perdeu inicialmente nove pontos na tabela do Campeonato Gaúcho, mas depois conseguiu reduzir a pena para a perda de apenas três pontos. No âmbito judicial, o inquérito policial aberto para investigar o caso acabou sem indiciamentos. O episódio envolvendo o zagueiro do Internacional, Paulão, também acabou apenas em punição esportiva.
O Grêmio foi multado em R$ 80 mil pelo Tribunal de Justiça Desportiva pelo insulto de seu torcedor. Já no caso do jogador do Santos, Arouca, a punição foi também esportiva, com a interdição do estádio do Mogi Mirim e a aplicação de uma multa de R$ 50 mil.
O acontecimento mais recente, envolvendo o goleiro santista Aranha, teve até mesmo um boletim de ocorrência registrado por ele na polícia gaúcha. Uma das torcedoras do Grêmio responsáveis pelo insulto foi identificada pelas câmeras de TV e chegou a ser afastada do trabalho em Porto Alegre.
O próprio Grêmio identificou outros dez torcedores que participaram do ato racista ? dois eram sócios do clube e foram expulsos, e os outros estão proibidos de entrar na Arena Grêmio.
Enquanto isso, o clube gaúcho aguarda para saber se será punido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O jogo de volta das oitavas de final da Copa do Brasil contra o Santos, antes marcado para a próxima quarta-feira, foi adiado até que o caso seja julgado.
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