61 anos do Olímpico: gremistas reaproveitam peças e dão sobrevida ao abandonado estádio

Enquanto parte do concreto resiste à demolição, outros pedaços tiveram novos destinos e mantêm viva a memória da antiga casa tricolor


Fonte: Diário Gaúcho

61 anos do Olímpico: gremistas reaproveitam peças e dão sobrevida ao abandonado estádio

Com o Olímpico, onde o Olímpico estiver: seja no sítio de um torcedor, em salas do CT Luiz Carvalho, ou no chão, em paredes e móveis da Arena. Ao completar 61 anos neste sábado, o estádio ganhou sobrevida por meio de peças cuidadas com carinho por gremistas que jamais darão o adeus definitivo. Enquanto parte do concreto resiste à demolição no bairro Azenha, outros pedaços tiveram novos destinos e mantêm viva a memória da antiga casa tricolor.

O silêncio no local divide espaço com os trabalhos de retirada de materiais do Olímpico, que são frequentes. Segundo o departamento de patrimônio do clube, não há dia em que não se reaproveite alguma mesa, cadeira ou peça do estádio. A lei é utilizar tudo que for possível, desde mobiliário até cabos e tomadas.

A implosão virou uma incógnita. A entrega do complexo à OAS, como contrapartida pela construção da Arena, deveria ter ocorrido em março de 2013. No entanto, ainda não tem data para se concretizar. Parcialmente demolido, principalmente na antiga área que abrigava as piscinas, no lado da Avenida Gastão Mazeron, o Monumental se transformou em moeda de barganha. A posse do terreno, que ainda é do Grêmio, só será transferida para a construtora depois que o clube receber a gestão de seu novo estádio no Humaitá. Até por isso, nenhuma máquina é vista no Velho Casarão desde o fim de março.



A distribuição dos materiais que restam do antigo lar tricolor passou por diferentes fases: houve dois leilões, em que torcedores puderam adquirir itens como cadeiras, casamatas e placas de sinalização. Depois, o Instituto Geração Tricolor e o CT Luiz Carvalho receberam cabos elétricos, extintores e hidrantes, além de móveis.

Foram feitas doações de cadeiras a clubes do Interior, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros e até para o Multipalco do Theatro São Pedro. Um dos campos do Parque Marinha (foto abaixo), na capital, recebeu grama do campo suplementar. Nesta semana, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) instalou assentos em paradas de ônibus que ficam perto da Arena.

Os meninos das categorias de base também vivem daquilo que um dia habitou o Olímpico. A chamada Residência Esportiva, em Eldorado do Sul, às margens da BR-290, ganhou forma onde funcionava um motel. Para transformar o local, foram usadas peças oriundas do estádio: lavatórios, torneiras, tomadas e interruptores, entre outros itens.

É na Arena, porém, que está a maior parte das lembranças do Olímpico. A Central de Atendimento ao sócio (foto abaixo), por exemplo, foi toda montada com peças do extinto Quadro Social. No saguão principal da Central de Administração, está pregado no chão o granito Azul Bahia que antigamente ocupava os saguões dos camarotes do Olímpico. E há mais por vir. Atualmente, são pelo menos quatro depósitos que abrigam materiais. Outros dois estão fechados, aguardando pela chegada de novas peças.

Há itens de todos os tipos: troféus, refletores, placas, quadros e mobiliário da antiga capela. Eles estão guardados a sete chaves, esperando o momento de reaparecerem na nova casa tricolor. A estimativa é que somente a sala que hoje abriga as taças ocupe 300 m² na Arena. A maioria das peças deve voltar aos olhos do público nos próximos meses, com a inauguração do novo memorial do clube.


O sítio que abriga as casamatas

Há quem cultue o Olímpico no pátio e até mesmo dentro de casa. O empresário do ramo calçadista Epifânio Loss, de 61 anos, arrematou a casamata que abrigava comissão técnica e jogadores reservas do Grêmio. A compra ocorreu no segundo semestre de 2013, por menos de R$ 3 mil. De presente do clube, ganhou também a que os adversários habitavam. Ambas estão em seu sítio, em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

— Eu fiquei com grande parte da história do futebol gaúcho ali. Uma está ao lado da outra, mas é claro que a do Grêmio tem um destaque maior — brinca.

Hoje, há muitos amigos e familiares que aproveitam a atração. Não há gremista que não queira uma foto com as casamatas (imagem abaixo). Todas as quintas-feiras, Epifânio recebe convidados para jogar futebol. E lá estão elas, imponentes, como uma atração à parte da pelada.

O empresário garante que não pretende abrir o espaço para visitação, principalmente por questões de segurança. Mas diz que não consegue negar quando algum conhecido, vizinho ou amigo pede para ter um registro. Gremista fanático, Epifânio entrou pela primeira vez no Olímpico em 2 de dezembro de 1971, para a partida entre Grêmio e Coritiba, pelo Brasileirão.

— Me orgulho. Trouxe elas para cá não para me promover, não sou político. Trouxe para dividir com meus amigos. Me parece que era o lugar que tinham de estar — afirma. — Se alguém me pede para tirar foto, eu vou junto. Sou capaz até de fazer um churrasco para a pessoa.

Assim como Epifânio, a designer Mayume Mizoguchi, de 31 anos, garantiu uma lembrança nos leilões promovidos pelo clube. Ela e o marido, Samir, adquiriram as duas cadeiras em que sentavam para assistir ao jogos. Elas estão guardadas em um quarto no apartamento dos dois, em Porto Alegre. A ideia, futuramente, é posicioná-las em algum lugar de maior visibilidade.

— Temos guardado algo concreto da história. Existem as lembranças, mas ter o material também é muito importante. Eu sou muito apegada. Lembro até que meus irmãos pegaram grama do estádio — conta ela.


Melancolia no bairro Azenha

Ainda que se mantenha vivo pelas peças levadas pelos torcedores, a tristeza do adeus ronda moradores e comerciantes do bairro Azenha. São gremistas que precisaram se acostumar com o silêncio e os escombros que restam do antigo lar.

Quase abandonado, Olímpico agoniza à espera da demolição

O empresário Edenilson Davi, conhecido como Faísca, já não vê seu bar, localizado quase em frente à entrada principal do Olímpico, lotado de torcedores. Foram mais de 10 anos com finais de semana dedicados ao Grêmio. Em vez de grupos numerosos de gremistas, que tinham o local como ponto de encontro, hoje há um vazio. Faísca mantém um minimercado no mesmo endereço, mas pouco consegue arrecadar. Ele estima que as vendas caíram 99% desde a desativação do estádio, que deixou de receber treinos do grupo profissional em dezembro do ano passado.

— Eu só tenho movimento dos moradores do entorno. Que vêm aqui, compram algo. Mas eu tenho prejuízo, estou pagando para trabalhar. Não há mais excursões de estudantes, não há mais torcida vindo assistir aos treinos, aos jogos — lamenta. — Eu vejo jogos na Arena e penso: e se fosse aqui?

Faísca estabeleceu um prazo. Se nada mudar até o fim do ano, ele fechará o comércio. E não sabe para onde irá. Atualmente, há um bar que leva sua marca no entorno da Arena. Mas ele não gerencia o estabelecimento. O empresário apenas sublocou o espaço para outro interessado.

As ruas também ficaram silenciosas para quem vive próximo ao Largo dos Campeões. Morador do bairro desde criança, o jornalista Luciano Rolla, de 39 anos, afirma que pensou em comprar um imóvel no Humaitá quando soube da construção da Arena. Mas resistiu.

Em seu apartamento, na Avenida Carlos Barbosa, o gremista exibe um quadro da antiga visão de seu quarto, que dava para uma das partes laterais do Olímpico. Um prédio foi construído na frente, e hoje o visual ficou apenas em foto.

— O Olímpico é o quintal da minha casa. Eu me criei na Azenha. Pegava minha bicicleta no verão e ia para o estacionamento do Olímpico, assistir a treino. Ficava por ali e fiz muitas amizades. Não tem como viver o Grêmio e não falar do Olímpico. É um estádio que fala, que se movimenta, se mexe. O cimento ganha vida ali.

O arquiteto Cesar Augusto Mendes, de 33 anos, compartilha do mesmo sentimento. Ele também viveu a infância e adolescência na Avenida Carlos Barbosa. Das janelas de casa, enxergava o movimento de torcedores, Brigada Militar, carros e ônibus. Quando começou a demolição, atualmente paralisada, assistiu de perto ao trabalho dos operários. Para ele, é estranho passar os domingos sem o futebol nas redondezas.

— O que eu sinto falta é do encontro com o pessoal, que me chamava pela janela. Nem apertavam no porteiro. Só vinham aqui e davam um grito. Isso acontecia praticamente todo fim de semana, e nas quartas-feiras. Essa movimentacao nós estávamos acostumados há anos, então mudou a rotina — relembra.

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