Derrame no dedo, sr. pênalti e cerveja com Higuita: os heróis

Vinte anos do bicampeonato da América desvela personagens como goleiro que jogou lesionado, o reserva que decidia no final e o ex-titular que salvava titular de noitadas


Fonte: Globo Esporte

Derrame no dedo, sr. pênalti e cerveja com Higuita: os heróis
Nildo, no dia em que classificaria o Grêmio para a Libertadores de 1995 (Foto: reprodução)
São 20 anos, tempo à beça, mas como um torcedor do Grêmio pode se esquecer, por exemplo, da escalação do time que levou o bicampeonato da Libertadores? Ou deixar de se lembrar de defesas de Danrlei e dos cruzamentos de Arce e Paulo Nunes para Jardel? Outra: a confusão no histórico 5 a 0 sobre o Palmeiras no Olímpico?

Para aninhar a taça da América no colo, todavia, é preciso mais. É preciso, às vezes, recorrer a heróis menos cotados. Os salvadores do "lado B". De reservas pouco celebrados, muitos hoje são venerados como xodós, enquanto alguns curtem o sabor do anonimato sem saudosismo. E revivem ainda mais cintilantes no aniversário de duas décadas da conquista, relembrado em série especial pelo GloboEsporte.com.

É momento de apresentar, ou reapresentar, Nildo, Alexandre e Murilo. E as histórias que os fazem tão imortais quanto o próprio Grêmio.

PROTETOR DE JARDEL E AMIGO DE HIGUITA

Para Ivanildo Duarte Pereira, a Libertadores de 1995 começou em 10 de agosto de... 1994. Foi quando, aos quatro minutos do primeiro tempo, no Olímpico, aparou cruzamento de Ayupe e deu ao Grêmio o título da Copa do Brasil. Mais do que isso: o passaporte ao torneio continental.

Antes disso, chegou ao Grêmio em abril de 1994, da pequena Caldense, de Minas Gerais, em meio à Copa do Brasil, justamente para substituir o artilheiro Gilson Cabeção. Conquistou o elenco com carisma peculiar e ganhou apelido de Jackson Antunes, em referência ao ator global também dono de frondoso bigode. Depois, ganhou a torcida com gols.

Foi do estrelato à queda com uma grave lesão durante o Brasileiro daquele ano. O que forçou o Grêmio a buscar opções no mercado para a Libertadores. Chegaram Magno, herdeiro de sua camisa 9, e Jardel, que imortalizaria a 16.

Nildo sequer fora inscrito na primeira fase. Começaria a dar a volta por cima aos poucos. Usou o time alternativo do Gauchão, o famoso Banguzinho, como ponto de partida - fez gol no Gre-Nal da final e tudo. Aportou no torneio continental a partir das oitavas usando a 10 que pertencia ao mais novo lesionado Emerson. Não teve a chance de balançar as redes. Também se tornou útil como amigo e fiel escudeiro de Jardel, um jovem que estava se acostumando com os holofotes.

- O Jardel era louco. Ele batia o carro e me ligava para socorrer, ajudar a rebocar. Eu era meio que um protetor dele - relembra o ex-centroavante, que mora em sua Belém do Pará, onde trabalha como treinador e coordenador de escolinha de futebol.

Proteger é uma coisa. Ser santo... Nildo também não abria mão de um churrasco, uma cerveja... até com o rival na final da Libertadores. Após o primeiro jogo no Olímpico, vencido pelo Grêmio por 3 a 1, o atacante gremista foi sorteado para o exame antidoping. Para ajudar a expelir substâncias, os jogadores bebiam cerveja. Compartilhou-as com Higuita, performático goleiro do Atlético Nacional. Dali, combinaram uma saída para o resto da noite.

A ideia era repetir a dose em Medellín. Mas a festa, no fim, foi exclusivamente tricolor. E começou com Nildo. O relógio se aproximava dos 40 minutos do segundo tempo, e um gol do Atlético Nacional tiraria o sonho do bi tricolor. Recém-ingresso, Nildo interceptou com a cabeça saída de bola rival e a ofertou a Goiano, que completou o lançamento para Alexandre ser derrubado na área.

UM ATACANTE E DOIS PÊNALTIS

Momento em que entra em cena um personagem à parte na campanha do Grêmio. Na época, era apenas Alexandre. Hoje, atende também por Alexandre Gaúcho ou Xoxó. Um xodó. Foi o primeiro jogador a ser contratado para o ano da Libertadores, do modesto Pelotas. Tornou-se protagonista do último lance de uma história com final feliz. E com todo o jeito de "déjà vu".

Afinal, no terceiro jogo da primeira fase, Alexandre também havia sofrido pênalti em lance semelhante, recebendo lançamento e avançando na velocidade. Essa infração sobre o atacante deu a primeira vitória à equipe de Felipão, um suado 2 a 1 sobre o Nacional, no Equador, com gol de pênalti de Arce, aos 50 minutos do segundo tempo, após uma derrota e um empate.

Naquele finalzinho de 30 de agosto, o enredo se repetiu. E ainda com a taça como eterna recompensa. Só mudou o cobrador. Dinho fuzilou e ganhou o tenro abraço de Nildo e Alexandre.

- Toda vez que eu lembro, que olho o vídeo, arrepia, enche de lágrimas nos olhos. Foi pênalti, claro que foi, falaram que eu me atirei, mas não. Eu preferia ter feito o gol. No momento em que enquadrei a bola com cabeça, vi o Higuita saindo, poderia ter tocado por cima que o goleiro não ia chegar. Mas só de poder ter participado do lance decisivo, sinto muito alegria e felicidade - define.

Alexandre é uma contradição ambulante. Nunca foi titular, mas entrou em nove dos 14 jogos da campanha. Também jamais balançara as redes. Mas, como se nota, foi fundamental em momentos-chave da trajetória. Ele credita a Felipão essa capacidade de transformar o quase em sinônimo de sucesso.

- Eu queria ser titular, eu queria jogar. O Felipe vinha para mim e dizia: "quero que tu fique brabo mas que leve essa raiva para dentro de campo como motivação, porque tu vai ser meu 12º titular, tu vai entrar em campo para decidir e mudar o jogo para mim". Assim, ele me motivava para buscar meu espaço e o que eu queria, que era aparecer - sorri, orgulhoso.

Xoxó chegou a jogar duas vezes no Inter, antes e depois de carregar a taça da América no colo vestido de azul. Mas seu coração é, definitivamente, tricolor. Tanto que agora, como empresário de futebol, não se furta de envergar a camiseta do clube em eventos consulares e jogos festivos, além de partidas de showbol. Exemplo de que um reserva pode ser um grande campeão.

Alexandre posa orgulhoso com a medalha e a faixa, 20 anos depois (Foto: Eduardo Deconto/GloboEsporte.com)

O GOLEIRO DO DEDO QUEBRADO

Murilo mostra o dedo enfaixado em São Paulo
(Foto: Reprodução/RBS TV)


Às vezes, 20 anos é tanto tempo que até se é possível trocar de nome. Hoje em dia, não é fácil achar o ex-goleiro do Grêmio por Murilo. Adotou o primeiro nome, Eliezer, para administrar um restaurante em Porto Alegre e cursar administração. Muitos nem sem lembram que estão em frente a um campeão da América. Nas rodas de conversa, quando o futebol vem à tona, igualmente o tímido ex-jogador não se identifica como tal. Um herói às avessas.

Murilo atuou em apenas uma partida. Justamente a maior batalha de todas. Após o 5 a 0 no Olímpico, o Grêmio defenderia ampla vantagem contra o Palmeiras nas quartas de final sem Danrlei. O goleiro fora excluído do jogo após imagens da TV o flagrarem agredindo Valber. Ficou sabendo da punição na chegada ao São Paulo.

Só havia uma saída: contar com Murilo. O problema é que ele estava com os ligamento do dedão da mão esquerda rompidos e não treinava havia 20 dias. O terceiro goleiro Antonio Carlos também estava lesionado e ficou em Porto Alegre. O Grêmio bem que tentou esconder esse problema, mas a lesão acabou vazando por todos os poros.

- Eu contei, não devia ter contado. Na partida, um jogador do Palmeiras pegou meu dedo e dobrou, é coisa do jogo? Isso não é do jogo. Todo mundo sabia que eu estava com o dedo quebrado - lembra Murilo, como se estivesse revendo o duelo épico no momento em que falava.

O clima bélico de Porto Alegre transformou o jogo do Palestra Itália em guerra. Intimidação antes, durante e depois de a bola rolar. O dedo comprometido de Murilo não passaria em pune. Virou alvo dos palmeirenses, que saíram atrás do placar e conseguiram aplicar incríveis 5 a 1. Insuficientes, no entanto, para tirar o Grêmio da semifinal.

- Depois disso, eu devo ter ficado um mês parado. Meu dedo ficou com derrame, um monte de coisa. Mas passou. Graças a Deus, é só história.



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