Rogério Micale, técnico da Seleção Brasileira no Pan de Toronto (Foto: Igor Siqueira)
Rogério Micale entra nesta semana em mais um desafio com uma Seleção Brasileira. Depois de assumir a equipe sub-20 do Brasil a três dias da apresentação para o Mundial, o treinador começa nesta terça-feira a treinar os garotos sub-22 para a disputa do Pan-Americano de Toronto, no Canadá. Como um dos responsáveis por reorganizar o futebol de base da CBF, ele sente um peso, uma carga negativa emocional que ficou no futebol nacional após o vexame na Copa-2014. Segundo Micale conta nesta entrevista exclusiva ao LANCE!, existe uma depressão pós-Copa, que, na visão dele, só é prejudicial.
O treinador - cujo trabalho anterior foi no Atlético-MG e durou cerca de seis anos - falou ainda sobre o trabalho que pretende desenvolver para as próximas competições, as diferenças na formação de jogadores no Brasil e na Europa, além da necessidade que a classe de treinadores brasileiros tem em rever certos conceitos aplicados atualmente.
Micale ganhou moral na CBF nos últimos tempos por causa do vice-campeonato mundial e o fato de ter sido designado para trabalhar com Dunga no processo de formação do time olímpico. Será o técnico da sub-20 quem comandará o sub-23 nos amistosos a serem realizados nas datas Fifa.
LANCE: Na Seleção sub-20, você mandou pra casa os atacantes de força, optando por um time mais leve. Essa filosofia, especialmente na parte ofensiva, vai se perpetuar?
Micale: Acreditamos em um conceito no qual viemos trabalhando, principalmente no Atlético-MG. Esse é o nosso estilo, o que levou a ter sucesso em relação ao futebol mundial. É a individualidade, agregando o conceito tático, a condição de equipe, fortalecendo o conjunto. Mas é a individualidade que faz a diferença. A equipe deu liga. Uma peça ou outra tivemos que mudar. Poderíamos ter tido o Gerson, mas existia uma lista definida de 35 jogadores. O Gerson não estava quando precisei substituir o Kenedy. O que mais me agradava na lista foi o Malcom. Se desse tudo errado, eu seria responsabilizado, sobraria para mim. Mas deu certo. E não fiz sozinho. O que eu quis mostrar é que temos mão de obra boa, material humano. Dei um conceito básico, e a equipe teve um desempenho satisfatório.
LANCE!: Como precisa ser melhorado o aspecto tático no futebol brasileiro?
Micale: Temos que agregar os conceitos, o que acreditamos, não perder a essência. Estamos vivendo a depressão pós-Copa. Ela está atingindo proporções que eu nunca tinha visto no Brasil. Agora, nada presta. Brasileirão não presta, jogadores não prestam, as comissões técnicas não prestam, até a imprensa não presta. Isso parte de nós que fazemos o futebol. Acho que não é isso. Tem que haver uma reconstrução. Se há falhas, tem que reconstruir. Não é jogar tudo o que temos fora e virar a Alemanha. Quando a Espanha ganhou, tínhamos que virar a Espanha. Agora é a Alemanha? Temos que repensar, sair da depressão para andar para frente. Senão, vamos ficar olhando para trás e isso nos deixa em situação ruim.
LANCE!: Você teve a chance de treinar no Mundial dois tipos de jogadores: os formados no Brasil e dois (Andreas Pereira e Jean Carlos) com a base toda na Europa. Qual a diferença?
Micale: Foi justamente a situação na qual o nosso futebol precisa avançar. Eles têm um entendimento tático, leitura de jogo, um pouco mais avançado do que o nosso. Quando vem uma informação do treinador, vem uma mudança, eles assimilam de forma mais rápida e clara. Nós temos um pouco mais de dificuldade, jogamos em um processo in natura, aquela coisa livre demais, no instinto. Não é para jogar no lixo o instinto, que é ele que faz o imponderável, mas temos que agregar conhecimento aos garotos para que tenham noção do que é preciso desempenhar como equipe. Mas sem perder a essência, robotizando o futebol brasileiro.
LANCE!: Uma coisa que o Alexandre Gallo fazia, e rendia elogios, era ir à Europa para garimpar jogadores e convencer alguns a atuar pela Seleção. Qual será sua política?
Micale: O grande legado é montar um banco de dados em relação a isso. Temos como fazer isso porque toda a transação que é feita para o exterior é possível ser vista. A partir disso, temos que acompanhar, ver a evolução do atleta lá fora. E aí, se nos interessar, vamos atrás. Não é ir por ir. Chegar lá para dar uma resposta ao Brasil para dizer que estamos olhando. Vamos em uma situação pontual, profissional. Não é todo jogador que vai para a Europa que tem potencial para jogar na Seleção. Não funciona assim. Temos uma síndrome de vira-lata, que o quintal dos outros é mais bonito. Acho que, mesmo com esses jogadores com potencial de jogar na Seleção, temos que ter cuidado. Existe adaptação para jogar lá fora, quando alguém sai, mas existe readaptação para retornar. Senti isso. Nem sempre o que está lá fora é o melhor. Temos ainda muita coisa boa a oferecer para o mundo. A maioria dos jogadores da Champions é brasileira.
LANCE!: Como você enxerga o atual momento dos treinadores brasileiros? Já não vingamos mais no exterior...
Micale: Se os números estão dizendo isso, se os dados estão mostrando, temos que parar para repensar. Ver o que estamos fazendo de errado. Quatro argentinos nas semifinais, os argentinos vão para a Europa. Estamos trazendo para o nosso mercado um colombiano. Será que estamos enquadrados no que o futebol mundial requer para um treinador? Temos que rever.
LANCE!: E por onde começa a mudança?
Micale: Acho que, individualmente, isso precisa passar pelo próprio profissional querer ver o que pode melhorar na carreira. Isso acontece em todas as áreas. No processo macro, precisamos sentar mais, conversar e repensar, o futebol de forma geral, começando por que comanda.
LANCE!: Del Nero também?
Micale: A pessoa não chega lá no comando não vem de qualquer jeito. Ele tem histórico. Ele demonstrou competência. Mas acho que passa por todo mundo. Qualquer pessoa que comanda alguma situação sabe que é preciso avançar no conhecimento.
LANCE!: Como evitar que a pressão vinda dos maus resultados do time principal chegue aos garotos?
Micale: A palavra é blindar, até porque não temos nada a ver com o que aconteceu anteriormente. Estamos vestindo a mesma camisa, mas os momentos são diferentes. Se fui contratado, é para fazer algo novo. temos que olhar para frente. O retrovisor não é feito para ficar olhando para trás sempre, porque você bate o carro. É para se posicionar e olhar pra frente. Essa depressão só faz mal ao futebol brasileiro. Temos que olhar que tem um amanhecer. Ficar só na noite é ruim. O Brasil não está preparado para planejamento, isso é cultural. O cara sai da faculdade e quer ficar rico na semana seguinte, quer ganhar R$ 30 mil. Não sabe criar um projeto de carreira, quer imediatismo. Estamos pagando o preço disso. Temos que pensar um pouco.
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O treinador - cujo trabalho anterior foi no Atlético-MG e durou cerca de seis anos - falou ainda sobre o trabalho que pretende desenvolver para as próximas competições, as diferenças na formação de jogadores no Brasil e na Europa, além da necessidade que a classe de treinadores brasileiros tem em rever certos conceitos aplicados atualmente.
Micale ganhou moral na CBF nos últimos tempos por causa do vice-campeonato mundial e o fato de ter sido designado para trabalhar com Dunga no processo de formação do time olímpico. Será o técnico da sub-20 quem comandará o sub-23 nos amistosos a serem realizados nas datas Fifa.
LANCE: Na Seleção sub-20, você mandou pra casa os atacantes de força, optando por um time mais leve. Essa filosofia, especialmente na parte ofensiva, vai se perpetuar?
Micale: Acreditamos em um conceito no qual viemos trabalhando, principalmente no Atlético-MG. Esse é o nosso estilo, o que levou a ter sucesso em relação ao futebol mundial. É a individualidade, agregando o conceito tático, a condição de equipe, fortalecendo o conjunto. Mas é a individualidade que faz a diferença. A equipe deu liga. Uma peça ou outra tivemos que mudar. Poderíamos ter tido o Gerson, mas existia uma lista definida de 35 jogadores. O Gerson não estava quando precisei substituir o Kenedy. O que mais me agradava na lista foi o Malcom. Se desse tudo errado, eu seria responsabilizado, sobraria para mim. Mas deu certo. E não fiz sozinho. O que eu quis mostrar é que temos mão de obra boa, material humano. Dei um conceito básico, e a equipe teve um desempenho satisfatório.
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Micale: Foi justamente a situação na qual o nosso futebol precisa avançar. Eles têm um entendimento tático, leitura de jogo, um pouco mais avançado do que o nosso. Quando vem uma informação do treinador, vem uma mudança, eles assimilam de forma mais rápida e clara. Nós temos um pouco mais de dificuldade, jogamos em um processo in natura, aquela coisa livre demais, no instinto. Não é para jogar no lixo o instinto, que é ele que faz o imponderável, mas temos que agregar conhecimento aos garotos para que tenham noção do que é preciso desempenhar como equipe. Mas sem perder a essência, robotizando o futebol brasileiro.
LANCE!: Uma coisa que o Alexandre Gallo fazia, e rendia elogios, era ir à Europa para garimpar jogadores e convencer alguns a atuar pela Seleção. Qual será sua política?
Micale: O grande legado é montar um banco de dados em relação a isso. Temos como fazer isso porque toda a transação que é feita para o exterior é possível ser vista. A partir disso, temos que acompanhar, ver a evolução do atleta lá fora. E aí, se nos interessar, vamos atrás. Não é ir por ir. Chegar lá para dar uma resposta ao Brasil para dizer que estamos olhando. Vamos em uma situação pontual, profissional. Não é todo jogador que vai para a Europa que tem potencial para jogar na Seleção. Não funciona assim. Temos uma síndrome de vira-lata, que o quintal dos outros é mais bonito. Acho que, mesmo com esses jogadores com potencial de jogar na Seleção, temos que ter cuidado. Existe adaptação para jogar lá fora, quando alguém sai, mas existe readaptação para retornar. Senti isso. Nem sempre o que está lá fora é o melhor. Temos ainda muita coisa boa a oferecer para o mundo. A maioria dos jogadores da Champions é brasileira.
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